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Volta às aulas?

Professores e alunos do estado de São Paulo relatam a experiência de um retorno que, na prática, não aconteceu

Por Alexandre Puga, Gustavo Vasco, Lucas Cheiddi e Ulisses Menezes

Bares e restaurantes, shopping centers, cinemas e teatros, parques, lojas, as atividades em geral já reabriram. Mas a maioria das escolas permanece em isolamento social. No último balanço da Secretaria Estadual de Educação, das mais de 5 mil escolas da rede pública, apenas 1,3 mil voltaram em 219 municípios paulistas. Há poucas semanas do fim do ano letivo, a volta às aulas ainda é um desafio e divide opiniões de especialistas e educadores.

“As escolas não deveriam abrir nesse momento. Falta, praticamente, um mês para o fim das aulas, e, agora que todos já estão acostumados com o modelo remoto, o retorno vai ser bem complicado, pois 30% dos alunos retornarão e 70% ficarão em casa”, afirma a professora Juliana Raiça, que leciona geografia no Colégio João XXIII. “O que me questiono é se isso vai ser efetivo até o fim do ano, mas diante de um início de 2021 com características parecidas, essa reabertura pode servir como uma espécie de teste, para que a gente possa entender o que venha a dar certo ou não”, contrapõe o professor de biologia José Biagini Netto, do Colégio Faap.

A Factual900 conversou com professores e alunos de colégios de Ribeirão Preto e de São Paulo, já que desde 13/10, o município do interior paulista liberou o retorno das aulas nas redes privadas e estaduais, enquanto em São Paulo apenas as aulas do ensino médio voltaram e em 03/11. Há algo que a capital e outras cidades poderiam aprender com o município do interior. Muitos estudantes, após a volta às aulas, preferiram continuar com o formato remoto.

“Provavelmente não voltarei a frequentar as aulas presenciais, pois acredito que não seja o momento para a volta delas”, afirma Brenno Nonato, de 18 anos, da Escola Estadual Padre Anchieta. “Ainda estamos no meio de uma pandemia, não temos vacina e eu não sei como foram os cuidados dos outros, pois, infelizmente, existem pessoas que não estão ligando para esse vírus.” Murilo Baruco, de 17 anos, do Colégio Faap Ribeirão Preto, complementa: “Mesmo a escola decretando o ensino híbrido e o executando, optei por me manter nas aulas online, pois falta apenas um mês para terminar o conteúdo.”

Rosalice Corona, professora de matemática e química na escola Alfeu Luiz Gasparini, da rede municipal de Ribeirão Preto, informa que as medidas preventivas, como a adoção de um protocolo sanitário programado, não serão suficientes sem a presença de inspetores para orientar os alunos na volta às aulas. “O espaçamento nos refeitórios e intervalos é pequeno. Falta o fornecimento de máscaras, álcool em gel, água e sabão nos banheiros. O espaçamento nas salas de aula também dificulta, já que são 35 alunos por sala e sempre estamos recebendo alunos extras. É difícil”, alerta.

Os desafios do ensino remoto
A verdade é que escolas não foram pensadas ou planejadas para isolar alunos e professores. Ao contrário, a proximidade desse público é o que facilita o aprendizado. A necessidade do ensino a distância criou uma série de impasses que, após alguns meses desde o início da pandemia do novo coronavírus, ainda são desafiadores.

Os professores tiveram de descobrir maneiras de deixar as aulas atrativas, sem abrir mão do conteúdo. Mas, na outra ponta, os alunos sentiram dificuldade de acompanhar as aulas. Organização é o ponto chave, porém dois terços dos jovens deixam a desejar nesse aspecto, segundo pesquisa pela Associação Brasileira de Educação à Distância (ABED). “A pandemia foi um desastre para os vestibulandos. Um ano perdido. Um ano sem contato com os professores para tirar dúvidas.”, disse a professora Rosalice. Ela ainda complementa: “Houve um rompimento da rotina de estudos, uma instabilidade emocional e uma perda do foco das metas estabelecidas. Além das dificuldades em ter acesso às aulas”.

José também verifica que há dificuldades e uma forte tendência de queda no rendimento dos alunos. “A maior dificuldade tem sido para aqueles alunos que passaram a assistir às aulas como se fossem um seriado, assistir somente olhando e não de forma ativa. O processo de conquista de conhecimento é um processo ativo, então aqueles que conseguiram manter, minimamente, uma rotina parecida com aquela do presencial – anotando as aulas, os tópicos principais, revendo e fazendo exercícios – tiveram uma perda muito menor.”. Ele reconhece que a qualidade do ensino pode ter diminuído: “Nós não estávamos preparados para, em tão pouco tempo, dar um perfil que já vem há décadas de um modelo de sala de aula. O grau de desempenho pode ter diminuído muito em função desse ineditismo de como se passar e acompanhar as aulas”.

Além da pouca interação dos alunos durante as aulas online, a professora Juliana afirma que a falta de interesse dos alunos atrapalhou o desempenho escolar. “Eles não têm a responsabilidade de estar na aula, prestar atenção, fazer as atividades e as lições e ainda colam nas provas. Ficou muito mais complicado do que já era”, diz.

Para os alunos, também não faltam reclamações. Brenno relatou a dificuldade em se adaptar ao ensino remoto e que a falta de contato com o professor é um grande problema.”Você não consegue parar para perguntar alguma dúvida sobre a matéria, e a explicação costuma ser em um tempo específico, então você tem que acompanhar tudo, pois, se perder uma parte, ficará perdido”, afirmou. “Durante as aulas de exatas, senti dificuldade por conta da ausência de uma lousa e pela falta de contato com o professor. Acho que o rendimento caiu”, complementa Murilo.

Desigualdade no acesso às aulas
Se a meta de manter a qualidade das aulas e o rendimento com o ensino a distância já parece algo difícil, imagine para quem nem sequer tem um tablet ou computador em casa, para acompanhar as aulas. Segundo a pesquisa TIC Educação 2019, é isso que acontece com 39% dos alunos da rede pública e 9% dos da privada.

Para Rosalice, a desigualdade, que já era grande, aumentou com a adoção de aulas online. “Os alunos perderam o ritmo de estudo. Muitas famílias diziam não ter acesso à internet e alguns alunos afirmavam esperar os pais chegarem do trabalho para poder usar o celular, já que havia apenas um disponível na família”, relata. Ela também reforça que o isolamento afetou o emocional dos alunos e isso, somado à falta de um ambiente apropriado para estudos, causou uma queda no desempenho de grande parte dos vestibulandos e, inclusive, que alguns deixaram de frequentar e participar das aulas.

Apesar de estudar em uma escola particular, Murilo parece muito consciente sobre outras realidades. “Visto pelos olhos dos alunos da rede pública, acredito que o ensino remoto ficou ainda mais desigual. Muitos não possuem internet adequada para ter uma boa qualidade de aula e muitos nem tiveram aula. Em comparação, acho que consegui adquirir muito mais conhecimento do que esses alunos de escola pública nesse período. Logo, me sinto privilegiado em ter essas aulas.”, afirmou.

Quer saber mais sobre a volta às aulas ? Confira a entrevista que a Factual900 postou no Youtube !