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Cursinhos populares em 2021 e as medidas inclusivas dos principais vestibulares paulistas

Veja a realidade dos cursinhos populares durante a pandemia. Confira o depoimento e opiniões de diferentes cursinhos sobre os vestibulares 2021. Conversamos também com a Fuvest (USP), Comvest (UNICAMP) e Vunesp sobre medidas adotadas em relação à inclusão.

CURSINHOS POPULARES: A REALIDADE

Vestibulares já são um momento estressante para todos os vestibulandos, independente de classe social, gênero e raça. Entretanto, são esses mesmos recortes que podem vir a ser os maiores meios segregacionistas para a entrada no meio acadêmico brasileiro. Ao pensarmos em cursinhos preparatórios para vestibulares, talvez alguns nomes já venham em nossa mente: Objetivo, Etapa, Poliedro. Cursinhos particulares acabam muitas vezes retratando o que existe de mais mercadológico dentro da educação brasileira e do acesso às universidades.

Propagandas instigam a competitividade já instaurada nos vestibulares e ignoram as desigualdades sociais existentes entre os estudantes. Por exemplo, quando vemos slogans que incitam determinada exaltação de performance educacional. Transforma-se a educação em produto, cria-se uma lógica competitiva e ignora-se totalmente aspectos de classe que influenciam todo e qualquer desempenho acadêmico. Em um padrão brutal, Xandão, professor de sociologia e geografia do cursinho da POLI, afirma que: 

A competição pode ser considerada um mérito sim, porque essa é a estrutura do sistema capitalista, estar competindo o tempo todo. Então no Brasil, no caso do aluno mais desfavorecido na questão de classe, de gênero, de renda, de raça e de origem, não existe apenas um critério de dificuldade, são vários.”

Aula no cursinho da POLI – Reprodução Facebook

Por isso, os cursinhos populares se mostram essenciais dentro desse meio. São instituições que levam em conta a situação econômica, social e racial dos alunos. Abre-se, assim, um leque cultural e educacional para aqueles estudantes que sempre foram colocados à margem da Educação, além de serem – geralmente – indivíduos que enfrentam uma rotina exaustiva que envolve trabalho, estudo e tarefas domésticas.

A pandemia afetou emocionalmente todos os estudantes, mas de maneira mais grave, afetou os alunos de cursinhos populares. “Levando em consideração inclusive que muitos perderam seus empregos, muitos viram as suas famílias se desestruturando por conta disso e sem falar, é claro, das vítimas da pandemia. O que eu percebo é um grande diferencial entre esse aluno do cursinho, que é da periferia, que é de classe baixa, que trabalha para ajudar no orçamento da família, essa pessoa participa diretamente de todas essas questões, enquanto que um aluno de família de renda mais alta, ele nem sequer sabe dos problemas que porventura venham a acontecer”, afirma Luiz Antônio Gerardi, 44 anos, coordenador e professor do cursinho SOS Mater Amabilis em Guarulhos. 

Aula do cursinho SOS Mater Amabilis no Centro Velho de São Paulo – Acervo Pessoal

Muitas vezes os cursinhos populares são compostos por estudantes de classe média baixa, camada social excluída da “corrida” para ingressar no meio acadêmico. Sobre isso, Xandão comenta: 

A pandemia já impactou os estudantes que se preparam para os vestibulares. Essa classe que eu estou mencionando precisa ser diferenciada da classe pobre, o pobre é o cara que depende do auxílio emergencial. Os economistas não colocam isso com todas as letras, mas eu como geólogo e sociólogo coloco. O salário mínimo hoje é o auxílio emergencial, esse é o cara pobre, e não tem muito que fazer para estudar nessa pandemia, porque ele mal tem acesso à internet ou tem acesso ruim. Isso aumentou a fossa entre os que têm e os que não têm.”

A própria entrada para o meio acadêmico no país é romantizada como uma oportunidade de “mudança de vida, ascensão social”, já que no capitalismo, a meritocracia é vendida como valor. No entanto, as oportunidades são delimitadas e incentivam uma competitividade extrema, justamente com um propósito que é, segundo Xandão, a manutenção classicista e elitista do meio acadêmico.

 “A presença da classe média só vai se solidificar, isso é um projeto das elites brasileiras que estão dirigindo as universidades e querem isso. Nas duas faculdades que eu fiz, eu ouvi isso dos professores: ‘essa faculdade não é para qualquer um’, não quer dizer que o cara não pode ser pobre, mas ele tem que ser muito ‘especial’”, afirma.

OS VESTIBULARES

A Fundação VUNESP, responsável por grande parte dos vestibulares paulistas, afirmou que “as instituições de ensino estão optando pela modalidade de prova presencial. Será desta forma para a Universidade Estadual Paulista (Unesp), a Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (Famerp), a Faculdade de Medicina de Marília (Famema), a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e muitos outros vestibulares previstos para os próximos meses”.

Os maiores vestibulares de São Paulo também acontecerão presencialmente. A Fuvest, para ingresso na Universidade de São Paulo (USP) e o vestibular da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), organizado pela Comvest. Belmira Bueno, diretora executiva da Fuvest, afirmou que não foi uma escolha, pois era a única opção possível para o vestibular da USP. 

“Não existe outro vestibular factível, levando em conta o tamanho da população que faz esse exame, que seja feito de outra forma. Então era fazer presencial ou não fazer o vestibular”, relata. 

As datas do vestibular foram alteradas, mas segundo ela, não haverá grande impacto na divulgação dos resultados. “Além disso, é tradição respeitar o calendário, só mudamos as datas da primeira e segunda fase pelas circunstâncias da pandemia, mas planejamos o ingresso dos alunos no primeiro semestre de 2021”, diz Bueno.

A Comvest, juntamente com a UNICAMP, tomou a decisão de diminuir o tamanho da prova. Tradicionalmente com 90 questões na primeira fase, agora apresentará apenas 72. Além de diminuir a lista de obras obrigatórias, antes eram doze livros, agora são sete. A porta-voz da Comvest, Juliana Sangion, diz: 

“Desde o início do isolamento e da pandemia no Brasil, a UNICAMP já começou a pensar em maneiras de minimizar o impacto da pandemia na educação neste ano para os vestibulandos. O vestibular 2021 priorizará a interpretação, a parte analítica e não conteudista, se você comparar os conteúdos a serem cobrados neste ano com o ano anterior, você nota uma redução em algumas áreas do conteúdo, sem prejuízo para a prova do vestibular. O que tem de ser cobrado será cobrado.”

A Fuvest, de acordo com Bueno, não realizou alterações no modelo de prova, pois acredita-se que isso não irá incidir nos resultados. Pelo contrário, a mudança atrapalharia os candidatos que já estão acostumados com um estilo de prova. “É o vestibular mais concorrido do Brasil e quaisquer alterações que fossem feitas não resolveria a concorrência, ela está definida pela relação candidato/vaga. Não tem muito o que fazer, se você coloca 60, 90 questões, o número de vagas não se altera. No nosso caso não houve essa opção, porque isso não atenua em nada. A única maneira de atenuar a concorrência é aumentar o número de instituições públicas, o que diz respeito a uma política de Estado e não em uma política de um vestibular em particular”, constatou.

Sobre as medidas de proteção, a Fundação Vunesp afirmou que durante a aplicação das provas serão observados os cuidados de distanciamento social, com escalonamento de candidatos para a entrada nos locais de prova; espaçamento entre os candidatos nas salas de prova de 1,5 metro, no mínimo, com a utilização de no máximo 30% da capacidade total das salas; higienização dos ambientes de prova; utilização de máscaras de proteção facial; disponibilização de álcool em gel a 70%, dentre outras medidas relativas à prevenção do contágio da Covid-19.

Bueno, da Fuvest, afirmou que também adotarão todos os protocolos exigidos, inclusive ampliaram o número de locais de prova para evitar aglomerações. Entretanto, não existe parâmetro para dizer se as medidas serão eficientes. 

“Garantias de eficiência não temos nenhuma, lidamos com pessoas, lidamos com relações humanas, não sabemos se todos vão respeitar. Esperamos que sim, porque é do interesse de todos e também temos uma assessoria médica que vai nos orientar sobre todos os detalhes possíveis de serem previstos até a data do vestibular”, diz Bueno. 

Sangion, da Comvest, ressaltou que, além das medidas tradicionais já tomadas por outros vestibulares, a primeira fase será dividida em dois dias. “São provas similares, mas com questões diferentes. Candidatos a área de medicina e saúde vão fazer em um dia e exatas e humanas farão em outro dia para evitar aglomeração”, afirmou.

Bueno acredita que a medida mais relevante que a USP tomou foi aumentar o número de vagas para alunos de escola pública. “A política de cotas é da Universidade de São Paulo e definiu essa política há quatro anos. Sendo implantada de forma crescente que atingiu a última fase nesse vestibular e no ingresso de 2021, tendo reservado 50% do número de vagas para alunos de escolas públicas, incluindo nesse grupo os PPI’s (pretos, pardos e indígenas)”, atesta.

Já a UNICAMP não realizou alteração quanto às medidas de cotas e do Programa de Ação Afirmativa e Inclusão Social (PAAIS). 

A OPINIÃO DOS CURSINHOS

Primeiro é certo que deveria haver o adiamento dos vestibulares por conta das condições sanitárias, porque juntar milhares de alunos no mesmo ambiente não é adequado no cenário que a gente vive agora. Agora, por questões sociais, não acho que o adiamento seja algo suficiente. Foi uma medida paliativa, emergencial, mas não é algo que será consertado. Infelizmente tem coisas que não conseguimos mudar. A desigualdade na educação não é por conta da pandemia, ela só escancarou isso. Não há medida suficiente para que se gere impacto em menos de um ano para que não ocorra a desigualdade no vestibular”, diz Douglas Yamasaki, 22 anos, coordenador do Brasil Cursinhos, rede que une cursinhos universitários populares. 

Para os professores e coordenadores de cursinhos, as medidas tomadas são ineficientes e podem, inclusive, aumentar o abismo educacional. Para Gerardi, é exatamente o que acontece. “Eu não acredito que essas medidas favoreçam de forma alguma os alunos de escola pública, principalmente os mais carentes, eu acho que  o abismo continua o mesmo. Eu acho que por mais que as universidades diminuam o tamanho da prova, retirem coisas da grade que normalmente são cobradas, nada disso vai mudar essa diferença absurda que existe. Ao contrário, eu acho que ela vai favorecer ainda mais os alunos que continuarão tendo acesso a um ensino de qualidade, mesmo que à distância”, afirma.

Sobre a possível ineficiência da redução da prova feita pela UNICAMP, Sangion afirmou que: “é uma questão muito opinativa. Com certeza a UNICAMP, através da comissão de vestibulares, fez o que estava ao seu alcance para esse ano. Não tenho como dizer se vai favorecer um ou outro, porque o formato do vestibular continua o mesmo, o estilo de prova é o mesmo. É difícil de afirmar isso, qualquer um que disser que sim ou que não, não está baseado em dados. Sinalizamos uma preocupação com os candidatos. O vestibular ocorrerá, mas fomos flexíveis no que pudemos ser em relação aos conteúdos cobrados. A principal mensagem é que a UNICAMP não estava distante da realidade e ignorando o que estava acontecendo com o sistema de ensino no Brasil.”