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Natal na pandemia: como manter a magia viva?

Por Bruno Genovesi, Letícia Mutchnik, Letícia Rodrigues, Lucca Favano, Rafael Spuri e Vitor Leite

“Eu ficaria triste se não tivesse Natal esse ano, porque quando a gente tem Natal, a gente reúne a família e fica muito feliz todo mundo junto”, diz Isabela Antunes Barbosa, de 7 anos. Apesar da pouca idade, a menina parece já ter compreendido o significado das festividades que ocorrem no fim do mês de dezembro. Com a pandemia do novo coronavírus, no entanto, a realização dessas celebrações em família está sendo ameaçada. O que fazer para estarmos próximos daqueles que amamos se os tempos recomendam que se evitem aglomerações? E para aquelas crianças que se encantam com os ritos e símbolos do Natal, como evitar que essa magia seja perdida? 

COVID e Natal: a combinação imperfeita

A família de Isabela é uma entre as muitas que costumam celebrar o Natal reunindo os parentes. Há 46 anos, sempre no dia 25 de dezembro, acontece rigorosamente uma festa no sítio que pertencia a José Antunes, patriarca da família. Mesmo com o falecimento de Seu Zé, como era conhecido, já há mais de oito anos, os familiares continuaram se juntando, não importando o que acontecesse. Era o momento que todos tinham para se reencontrar, já que as vidas de cada um os levaram a cidades, estados e até países distantes de Guaratinguetá, município do estado de São Paulo onde está localizado o sítio. Assim, comemorar o Natal naquele mesmo ambiente virou regra para os seis filhos, quinze netos e incontáveis bisnetos do casal Ana e José. Isso sem contar nos vários agregados que sempre marcaram presença na festividade. 

O vírus da COVID-19, no entanto, tem ameaçado a realização de diversas celebrações natalinas em família em 2020. É o caso dos Antunes, cujos integrantes temem pela ausência do festejo que já se tornou tradição há 46 anos. A não-realização do Natal no sítio do Vô Zé significaria a primeira vez que os familiares não iriam se reunir no dia 25 de dezembro em quase meio século. “O Natal para mim representa muito, porque desde muito tempo quando eu era jovem meu pai adquiriu um sítio e era feita uma reunião de toda a família, então isso era maravilhoso. Depois vieram os netos e os bisnetos e isso foi melhorando a cada ano. Hoje, por causa da pandemia, quase tudo acabou, então eu sinto muita saudade”, conta Gloria Maria, 70, filha de José. 

Natal em família: memórias eternas

Sítio do Vô Zé, em Guaratinguetá/SP, cenário dos natais da Família Antunes. Foto: Acervo pessoal

Para Cristiana Antunes Cavaterra, 44, neta do Seu Zé, a celebração natalina no sítio é sinônimo de família, alegria, confusão e união. “A primeira memória que me vem à cabeça do Natal no sítio são os sorteios de presentes, que a gente ficava esperando e dava confusão, porque um queria o do outro, que tinha ganhado um presente mais legal. Sempre dava briga, o Tio Dado enchia a paciência de todo mundo, porque o Natal sem o Tio Dado não é Natal. Depois que o vô e a vó faleceram, ele virou o mais velho, e ele sempre fez questão de reunir a família, sempre movimentou, porque ele é animado, fala as bobeiras dele.  Sempre foi assim, desde sempre”, relata. 

Para o Tio Dado, como é carinhosamente conhecido Ronaldo Antunes, 72, essa alcunha não é merecida. Quando perguntado se concordava que a festa só acontecia por sua causa, respondeu, bem-humorado: “Nada disso, eu não sou o Papai Noel”. É inegável, porém, que seus costumeiramente divertidos presentes se tornaram tradicionais e imprescindíveis em todo dia 25 de dezembro da família Antunes. Sempre sob o lema “ganhou, tem que usar”, Ronaldo conta, em sua extensa lista de brindes, com artigos como penicos, perucas e até um vaso sanitário cheio de barro, naquela que é considerada sua maior pegadinha. 

Reuniões virtuais são uma alternativa?

Em pleno século XXI, as evoluções tecnológicas permitiram que entes queridos conseguissem manter contato, ainda que os tempos recomendem o isolamento social. Nesse sentido, reuniões virtuais por aplicativos se tornaram uma tônica nesta quarentena, e despontam como uma alternativa às celebrações de Natal em família. Quanto a isso, Gloria ressalta: “Eu, talvez pela idade, não curto muito essas reuniões virtuais. Pra mim seria muito triste (não ter a festa no sítio), não seria a mesma coisa”. Já Cristiana tem uma visão mais otimista: “É melhor do que nada, melhor do que as famílias não se reunirem. As reuniões online são feitas para substituir as presenciais, mas eu prefiro o presencial. É como a aula, eu prefiro presencial, mas se não tiver como, eu acho que é uma boa ideia. Até porque a gente se vê tão pouco, cada um morando em um canto, a maioria já tem suas famílias e seus compromissos”.

E o Natal das crianças, como fica?

Além do meio digital, a indústria cultural é muito importante para que se conserve, de certo modo, a magia natalina em tempos pandêmicos, por meio de filmes, canções e livros que ajudem a manter vivas as tradições. Todavia, principalmente para crianças que se encantam com os símbolos do Natal, essas reposições nem sempre bastam. A falta de uma comemoração mais direta junto a seus familiares e a vivência da fantasia do Natal pode ser bastante nociva aos pequenos, como explica Débora Marchioni de Almeida, psicóloga formada pela PUC-Campinas. Para ela, é importante que a criança vivencie a crença no Papai Noel e nos demais ritos natalinos porque “são coisas do mundo imaginário, da fantasia, do mundo mágico. Isso é necessário, a nossa mente precisa de imaginação, de criatividade. Viver só a realidade concreta é enlouquecedor. A gente precisa de momentos em que a imaginação vai transportar a gente pra outro lugar”.

Para a pequena Isabela, de 7 anos, o Natal já tem um significado bastante importante

Segundo a profissional, assim como para os adultos, o isolamento influenciou muito na saúde mental das crianças também, principalmente por não poderem ir à escola, centro de enorme parte de sua vidas sociais. Quanto aos impactos em relação ao período natalino, ela aponta: “Eu acho que vai haver um impacto também à medida que esses rituais sociais do Natal: o Papai Noel que chega no shopping e é feita aquela festa, os pais que levam os filhos para visitarem o papai noel, todo o cenário montado, todo esse ritual que é feito, são encontros sociais não vão acontecer. Essa experiência concreta e viva não vai acontecer, então isso já é uma perda”. 

Como contornar essa situação?

Todavia, Débora acredita que existem meios para contornar essa situação, que passam predominantemente por uma ação mais ativa dos pais. “Eu entendo que vai haver um impacto sim, mas viver a história do Natal e do Papai Noel não precisa deixar de acontecer. Isso vai estar nas mãos dos pais que, com a sua criatividade e suas possibilidades internas vão proporcionar pros seus filhos essa festa de natal vivida de um outro modo”, conta. 

Ainda de acordo com a psicoterapeuta, um Natal mediado por telas não necessariamente significa uma celebração com menos magia. “Eu não acho que um Natal mediado por telas possa ter menos magia. Agora na pandemia, estamos fazendo os atendimentos psicoterápicos online, e eu e meus colegas nunca tínhamos atendido crianças de modo online. E eu tive uma experiência de uma mãe que me pediu esse atendimento virtual, e usando também meus recursos internos, fui ajudando e também com a ajuda de colegas fomos encontrando outros caminhos. Mesmo nunca tendo feito antes, desde que esse atendimento começou eu vivi situações emocionais tão intensas virtualmente que era como se estivéssemos juntas na minha sala de atendimento no consultório. Então eu não acho que a tela vai fazer perder o encanto do Natal, de jeito nenhum. Isso tudo vai depender dos pais e da capacidade deles de ter esse encontro emocional com os filhos nessa festa”, completa.