O morador de rua Agenor gosta de ler livros
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Morador de rua: a felicidade que ninguém vê

Pare e leia! Conheça a história de uma das pessoa que está em seu caminho todos os dias e que passa despercebida

Por Carolina Zenzen, Fabiana Leal e Laura Slobodeicov Ribeiro

Agenor tem 41 anos e veio da Bahia em 2000 como muitos outros retirantes ao longo dos anos. Dorme quase sempre nos arredores do metrô Conceição. Ele herdou o nome de seu avô, mas também gosta de ser chamado de Alê ou Alemão. Migrou na tentativa de arrumar um emprego em São Paulo, a quarta maior metrópole do mundo. A mesma cidade que não conseguiu ser grande o suficiente para amparar Alê, sua mulher e seu filho recém-nascido Jimmy Davi, que não se adaptaram ao ritmo corrido da capital paulista. Alê ficou e virou morador de rua.

Filho de mãe solteira e pai ausente, Alemão trabalhava como marceneiro no Nordeste. Já em São Paulo começou vendendo artesanatos e bijuterias feitas à mão, mas logo percebeu que aquilo não seria suficiente para sustentar uma família. Não enxergou outra opção além do caminho da criminalidade. Começou a roubar e traficar drogas. Entre roubos, furtos e vendas acabou sendo preso (É por essa razão que ele não informou o sobrenome). A mulher, acompanhada do filho, voltou para Bahia, abandonando-o.

Quando saiu da prisão, começou a viver em Diadema e no Jabaquara. “Vim parar no Jabaquara e conheci o bairro da Conceição. Comecei a conhecer muitas pessoas, sou bem comunicativo. E aí eu vou vivendo por aqui com os meus cachorros e as pessoas que conheço.” Alê conta que não lhe falta nada, pois quando precisa de dinheiro pede para alguém comprar umas caixas de balas e sai vendendo nas ruas da região. Por ter roupa, comida e ração para os cachorros (Zeus, Thor, Sofia e Bonitinha), não considera um problema. Frequenta um albergue na zona sul cerca de duas vezes por dia. “Às vezes como e durmo, outras lavo roupa. Mas sempre tomo banho”, diz o morador de rua.

Uma de suas maiores distrações é a leitura, aprendeu a ler em uma escola particular, ainda na Bahia. “Minha mãe me cobrava muito, me cobrava tanto que era minha preocupação, ela era muito rígida.” No momento da conversa, Agenor estava lendo o livro “Ecce Homo”, do filósofo alemão Nietzsche. “Gosto de livros psicodélicos e de autoajuda, porque sou meio cabeça-dura. Já li o Evangelho, a Bíblia e a Gêneses também. Me interesso muito sobre esse tipo de assunto, faz parte da minha vida, todo dia eu falo com Deus”, explica.

Agenor com o livro "Ecce Homo" do Nietzsche
Agenor com o livro “Ecce Homo” do Nietzsche

Hoje esse morador de rua se considera uma pessoa muito mais madura e afirma que não repetiria seus atos do passado. “Nunca me arrependi de nada porque com os meus erros aprendi a agradecer a Deus”, afirma. Mas admite que lastima as sequelas dos atos remotos, sente falta da “minha casa Bahia”, dos seus parentes e principalmente de seu filho. Mas ele tem vergonha de voltar para a Bahia.

Contato familiar

Quando perguntamos sobre seu maior sonho, Alemão, esperançoso, diz: “Encontrar o meu moleque e passar um tempo com ele, já fazem nove anos que eu não o vejo. Falei com ele esses dias, liguei no domingo e tava na praia, na Bahia passeando e andando de skate. Quero encontrar ele novamente, passar o finalzão de semana, trocar uma ideia. Acho que a gente vai se entender, porque eu sou um cara bom, ele vai gostar do pai louco que ele tem. Eu sou uma pessoa de coração bom.”

Para finalizar o questionamos sobre o Brasil, Alê abre um sorriso e fala como o nosso País é maravilhoso e acolhedor. Mas não deixa de dizer que o governo precisa ser mais sincero não só com a população, mas consigo mesmo. Ainda comentou sobre o atual governo de Jair Bolsonaro, afirmando “Esse presidente é meio ditador. No meu ponto de vista ele vai fazer alguma coisa pra tirar nós da rua.” Porém ele não vê isso como algo positivo e narra uma possível distopia em que Bolsonaro recolhe os moradores de rua e os internaria em clínicas, onde faria testes laboratoriais
e os deixariam vegetando dentro de tais instituições.

Após essa conversa, não poderíamos deixar de ignorar as consequências que levam uma pessoa a morar na rua, apesar de muitos pontos negativos que fariam qualquer ser humano se afundar em pensamentos depressivo e até agressivos. Temos aqui o contrário do esperado. O morador de rua continua simpático e alegre. Procura ver a vida da melhor forma possível mesmo diante da situação que vive. “Deus que me fortalece, eu sou feliz quando está difícil e agradeço a Jesus. Eu penso que quando o outro está feliz fica mais fácil ser feliz”, conclui.