Comportamento

Duas mães, uma família

São Paulo, a cidade da garoa, que sobre o seu céu cinzento abriga tantas famílias e tantas histórias. Uma dessas histórias é a de Cristina Fonseca e Cláudia Pelegrino. Cristina tem 43 anos e é psicóloga. Cláudia está com 46 anos e leciona inglês. Juntas, são as duas mães de Yasmin. O fato de que juntas formam uma família com duas mães causa estranhamento de muitos, entretanto, os amigos e os parentes do casal se mostram confortáveis com esse modelo familiar.

Yasmin com suas duas mães, Cristina Fonseca e Cláudia Pelegrino.

“Nunca sofremos preconceito por parte de familiares ou conhecidos. Estamos juntas há uns 17 anos, então todos nossos conhecidos ou familiares têm uma relação muito forte com a gente. Quando comecei a me relacionar com a Clau eu já tinha namorado com outras mulheres. Então talvez no início, lá no comecinho, teve um pouco de choque, mas nada que fosse traumático.”

Cristina

Duas esposas? Duas mães?

Embora muitos já tenham entendido que os casais homossexuais não se distinguem em nada de casais heterossexuais, existem aquele que ainda não se familiarizaram com esse modelo familiar. Cristina conta que dependendo do caso, às vezes as pessoas levam o choque ao descobrir que formam um casal. Mas isso, segundo ela, esse tipo de reação vem pessoas que não as conhecem. A entrevistada conta ainda que tiveram outras situações de pessoas terem um estranhamento ao descobrirem que elas são duas mães de uma mesma filha, mas depois terminam lidando super bem.

“Uma experiência recente de estranhamento foi no consulado espanhol. Porque a Clau tem a naturalidade espanhola e a gente foi tirar a da Yasmin. E deu a maior confusão, porque o consulado não está preparado” , lembra Cristina. Os formulários oficiais possuíam espaço para um pai e uma mãe, apenas. Cláudia riscou a sessão “pai” e colocou seu nome como segunda mãe. O consulado não aceitou essa documentação e houve um processo de assinatura de termos que chegaram a ser enviados para a Espanha para resolver o caso. “Ela (Yasmin) foi o primeiro caso aqui no Brasil de registro de uma criança filha de duas mulheres que estava solicitando nacionalidade estrangeira.”

Um outro estranhamento que acontece com uma certa frequência, segundo a psicóloga, é quando pessoas que não conhecem elas, mas sabem que são as mães da Yasmin, gerando sempre a mesma pergunta: Mas quem é a mãe? Elas calmamente sempre respondem: as duas.

Como duas mães fizeram para ter uma filha?

No caso de um casal constituído por duas mulheres, a gravidez não se dá pelo processo considerado natural. Como no Brasil vivemos em um país muito burocrático, a adoção vira um problema para os casais, principalmente para os homossexuais, que além da burocracia exacerbada, têm que encarar o processo de seleção por vezes preconceituoso. Logo, clínicas especializadas em inseminação e fertilização são bastante utilizadas por casais homoafetivos.

Cristina relatou que sua esposa, Cláudia, se desapontou com a pouca adaptação de clínicas para casais homossexuais: O que a Clau não gostou foi que na primeira clínica não tinha espaço para preencher a ficha considerando casal homoafetivo. Então tinha lá, nome do pai e nome da mãe.”

A utilização de uma clínica é crucial para que uma família composta por duas mães possa existir. Os meios mais comuns são inseminação e fertilização. No caso de Cristina, fertilização, pois devido à sua idade na época – 40 anos-, o outro processo já não era uma tão boa opção. Porém, embora seja efetivo, esse processo tem efeitos colaterais que mexem muito com o corpo e a mente da mulher. Segundo Cristina, os principais efeitos são hormonais: É uma loucura, uma montanha russa de emoções, tudo muito intenso.”. 

Cristina também relatou dificuldades do processo. “A história de ter que aplicar injeção e ter horário marcado pra tomar, você não pode errar, e eu errei, errei dose, aí você perde o tratamento, tem que começar de novo e é caro pra caramba”.

Uma alternativa possível para casais homossexuais é a adoção, que chegou a ser considerada por Cristina e Cláudia. “Nós pensamos em adotar, mas ela não queria. Até chegamos a ir no Fórum Central, mas era muito complicado, o tempo de espera muito grande e nós consideramos desistir”.

Família e amigos

Em algumas famílias e ciclos de amizade, às vezes, não há a aceitação de um casal homossexual, mas isso não aconteceu no caso de Cristina. “Eu acho que pelo fato de ser psicóloga, eu tenho muitos amigos que tem um outra cabeça. Minha família também é, mesmo que alguns tios sejam meio preconceituosos, mas não se manifestem.”

Ainda sobre a opinião de familiares, Cristina diz entender alguns preconceitos como desinformações ou desatenções, não necessariamente maldade. “Meu pai, por exemplo, é um cara preconceituoso. Ele fala sem perceber a besteira que está falando”, diz Cristina. “Isso me irrita, mesmo que não seja para mim, mas é uma coisa cultural. Chamar o outro de gay, de viado, são termos que hoje são inadequados.”, completa a psicóloga.

Entretanto, em contraponto ao senso comum de que quanto mais velhas as pessoas sejam, mais preconceitos elas tenham, os avós de Cristina se mostraram muito confortáveis com a situação. “Diferente dele, meus avós lidaram muito bem quando eu me casei com a Cláudia, meu avô na hora que eu falei que ia casar deu um cheque para nós. A minha avó materna é louca pela Clau e pela minha filha.”

Um pouco sobre Yasmin

“A minha filha é muito fofa, ela tem uma luz que encanta todas as pessoas, então às vezes a gente consegue coisas que não esperamos por conta dela”, disse Cristina. Uma vez, ela viajou a Itália com sua filha e que ficou muito surpresa, pois “lá na Itália, eles adoram crianças. Segundo o relato da psicóloga, a família recebeu um upgrade no quarto do hotel, pois a recepcionista se encantou pela filha do casal. Já na volta ao Brasil, as duas mães receberam mais um benefício em suas poltronas da classe econômica para uma classe econômica premium, pois os membros da companhia adoraram a Yasmin.