Cidades

Cinco exemplos de masculinidade tóxica que você deixa passar no dia a dia

Por Giovanna Reis, Julia Sassettoli, Lethicia Lioi, Manuella Mansani, Maria Luiza Cardone, Pedro Zanatta e Thauany Barbosa

A masculinidade tóxica pode ser definida como o conjunto de estereótipos que a sociedade tende a atribuir ao sexo masculino. Estudos recentes sobre o termo mostram que essas imposições são extremamente nocivas aos próprios homens e às pessoas em sua volta e que a masculinidade é estreita e repressiva, definida por violência, sexo, status e agressão. Neste ideal cultural, a força é o que mais importa e as emoções são uma fraqueza.

Há certas frases e expressões que reproduzimos sem nos dar conta dos significados que elas carregam. Essas reproduções são responsáveis por garantir que a masculinidade obrigatória, dominante e tóxica se mantenha. “‘Homens não choram’ e ‘bichona’ são apenas duas das expressões que ouvimos desde crianças ao menor sinal de fraqueza ou sentimentalismo. Somos chamados de ‘menininha’ como se fosse um xingamento”, relata João Pedro Manccini, 19, estudante de arquitetura.

Para ele, é a sociedade patriarcal em que vivemos que faz com que a necessidade de cumprir os dogmas da masculinidade se torne natural, como se o homem nascesse com o direito e o dever de ser duro, insensível e dominador. 

Amigos de João Pedro costumam brincar sobre seus cabelos longos, assumidos como sinal de feminilidade por alguns homens, mas ele não se importa (Foto: Arquivo Pessoal)

Considerado por si mesmo e por amigas como um “homem do bem”, Manccini tenta integralmente se afastar dos estereótipos dolorosos da masculinidade. “O importante é se cuidar e estar sempre atento para que não seja mais você quem reproduz ou estimula este comportamento”, afirma.

Atitudes que transformam

Listamos algumas atitudes cotidianas que podem contribuir para deixar de reproduzir a masculinidade tóxica e, dessa forma, diminuir o machismo.

1. Homens são violentos

Muitos pais fazem isso, ainda que implicitamente. É bastante comum os pais, com medo de o filho ser visto como “mulherzinha”, influenciarem seus meninos a desenvolverem atitudes violentas ao menor sinal de conflito. A violência pode ser tanto física quanto verbal.

“É normal o pai se orgulhar quando você diz que arrumou briga na escola. Quer dizer, não deveria ser normal, mas é. É sinal de que você está exercendo bem o seu papel de ‘macho-alfa’”, diz o estudante Marcos Hirai, 18.

Dizer para uma criança, ainda que indiretamente, que discussões podem ser resolvidas “na porrada” gera grandes consequências. Assim são criados os homens que perdem facilmente a paciência e são agressivos. 

Em São Paulo, segundo dados divulgados pelo governador Geraldo Alckmin no começo de 2016, os homens somaram 77% dos mortos em acidentes de trânsito. Especialistas apontam que o comportamento dos homens no volante é um dos motivos para explicar esse cenário triste.

2. Homens devem exercer sua masculinidade sendo máquinas de sexo

O discurso de que homens sempre querem e devem transar é cruel. Ele estimula homens a tratarem suas relações sexuais como conquistas – já que não há sentimentos ali – e, assim, expõem a privacidade de suas parceiras e parceiros para reafirmar sua masculinidade ou heterossexualidade. 

Além disso, o incentivo à sexualidade exacerbada é um dos motivos da impotência sexual e causa ansiedade e disfunção erétil, de acordo com a sexóloga Laura Oliveiros em entrevista para o jornal El País

3. “Boys will be boys”

A frase (que significa “garotos serão garotos”) busca justificar o comportamento tóxico dos homens ao dizer que meninos são assim e não há nada que possa ser feito. 

Dessa forma, esse discurso faz com que homens se sintam livres para falar e fazer o que bem entendem, sabendo que não haverá consequências graves. Além disso, pode naturalizar um comportamento prejudicial às mulheres, que são ensinadas desde pequenas a aceitar e aprender a lidar com essa “realidade” masculina. 

O comercial da Gillette, exibido em janeiro de 2019, originou debates nas redes sociais sobre os estereótipos masculinos (Foto: YouTube)

4. Expor os sentimentos é coisa de mulher

Algo que também faz parte desse estigma e se mostra como uma expressão de virilidade é a reclusão dos homens quando se trata de compartilhar seus sentimentos e medos com outras pessoas, principalmente outros homens.

Esse comportamento tóxico e machista pode ser relacionado ao índice preocupante de suicídio entre homens. A cada 10 pessoas que se matam, 8 são do sexo masculino. 

Recentemente o site Papo de Homem em parceria com o hub Zooma Inc. e com o apoio institucional da ONU Mulheres realizou uma pesquisa que revela um número preocupante. Apenas 10% dos homens responderam que conversam regularmente sobre seus maiores medos, dúvidas e obstáculos com seus amigos. Além disso, apenas 2 em cada 10 homens tiveram exemplos práticos e boas conversas sobre como assumir seus medos e pedir ajuda, durante a infância e adolescência.

5. Homens com masculinidade forte não se cuidam

De acordo com uma pesquisa realizada pelo Euromonitor Internacional, o Brasil vai liderar o segmento mundial de produtos masculinos de beleza até o ano de 2021. Entretanto, mesmo com a crescente busca por cuidados estéticos e higiene, ainda é comum escutar frases como “se cuidar é coisa de mulher”.

O alcance deste tipo de expressão pode sair do âmbito da estética e se converter em um problema de saúde na medida em que muitos homens passam a olhar até mesmo para a higiene como algo feminino. 

Um exemplo é a higiene íntima, que muitas vezes não é tratada com a devida importância e, consequentemente, pode levar o homem a ter problemas sérios de saúde, como o câncer de pênis, fungos e infecções.

Esses são apenas alguns exemplos de masculinidade tóxica e os efeitos que esse tipo de comportamento pode trazer tanto para as mulheres quanto para os próprios homens. 

Repensando a masculinidade

Para transformar o ideal cultural da masculinidade, o professor de geografia Caio César Santos, 24, criou um minicurso que estimula os participantes a repensar os estereótipos masculinos. Nomeado “Entendendo as Masculinidades”, o projeto conta com ciclos de dez encontros gratuitos, que reúnem até 20 homens no Rio de Janeiro.

Caio César, 24, é professor de geografia e luta contra a masculinidade tóxica.
Caio César Santos, 24, é professor de geografia e criador do curso “Entendendo as Masculinidades” (Foto: Divulgação)

Grupos com encontros semanais também foram iniciados para combater a questão. Um deles é o Brotherhood, que existe há quase dois anos e se organiza em conversas virtuais e presenciais em São Paulo e Florianópolis.

Segundo o site Papo de Homem, há um movimento de transformação dos homens acontecendo em todo o Brasil, com atualmente com 129 projetos. Todos têm a proposta de reconstruir o conceito de masculinidade, e assim promover sua desintoxicação.