Cultura

Acessibilidade ao Teatro no Brasil

Entenda os impactos no setor com as mudanças nas leis de incentivo

Apenas 23,4% dos municípios brasileiros possuem teatros ou salas de espetáculos. Isso é o que indica a Pesquisa de Informações Básicas Municipais, divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2014.

Em entrevista para o jornal Brasil de Fato, Zélia Monteiro, bailarina e professora de Comunicação das Artes do Corpo da PUC-SP, afirma que há muitos motivos para o distanciamento entre o teatro e o público brasileiro. “Um deles é a dificuldade de mobilidade. Os teatros, em sua maioria, estão no centro da cidade de São Paulo. A passagem para uma família ir para um espetáculo de teatro infantil é caríssima. Além disso, há o valor do ingresso. Então mesmo com algumas iniciativas de preços populares ou até espetáculos gratuitos, existe uma dificuldade de locomoção”, revela. 

A atriz e diretora Thaís Aguiar, de 36 anos, é formada pela Escola de Arte Dramática da USP. Ela acredita que o problema do teatro no País é cultural, porque “não temos um governo preocupado com a educação do seu povo”. “Enquanto rotularem as manifestações como entretenimento somente, e não como uma parte da educação, da formação de um pensamento crítico, do discernimento, da referência estética e ética, a gente vai viver à margem. Nós, artistas, viveremos à margem sempre. Os artistas são vistos como marginais, não temos carteira assinada, vivemos da efêmera felicidade da contemplação de um prêmio, um cachê. A cada semana se escuta que mais um teatro fechou suas portas, é uma vergonha!”, desabafa. 

Teatro e o governo brasileiro

O Brasil é um país grande e rico, tanto cultural quanto demograficamente. No entanto, Aguiar diz que a barreira não é o País, e sim os governantes exercendo “podres poderes”. Dessa forma, são poucos os atores que conseguem sobreviver apenas dessa profissão. “Por vir do interior, tinha uma visão do teatro como totalmente desvalorizado, achei que ninguém assistia. Quando vim para São Paulo vi que não era bem assim. É muito mais nichado do que desvalorizado, o que não deixa de ser uma certa desvalorização, mas as pessoas vão ao teatro. Eu batalho para conseguir ingresso para ir ao SESC. Devo batalhar com as mesmas pessoas que sempre vão”, diz Franco Cammillieri, estudante de artes cênicas da USP. Ele diz que existe um público teatral paulistano e a intenção é de expandir esse público, mas, para isso, o governo precisa atuar junto.

Franco Cammilleri no departamento de Artes Cênicas da USP

O estudante pensa que os próximos três anos, pelo menos, são de muita luta. “Com o atual governo o fomento ao teatro está sendo cortado de maneira absurda”. Ele completa: “Se a coisa continuar como está e nenhum pedido da classe artística for ouvido, eu acho que é muito difícil as coisas melhorarem. Esse sistema está sendo ameaçado. As pessoas não veem o teatro como uma necessidade. Ademais, não veem a potência que ele tem de fazer as pessoas refletirem e saírem de sua zona de conforto.”. 

Onde estão os investimentos

Um decreto oficializado em 22 de abril deste ano pelo Governo Jair Bolsonaro, a Lei Federal de Incentivo à Cultura, antiga Lei Rouanet, apresenta novas regras. O valor máximo a ser liberado para a produção de um projeto caiu de R$60 milhões para R$1 milhão. Para projetos de carteira (conjunto de montagens financiado por uma mesma empresa) caiu de R$60 milhões para R$10 milhões. As mudanças evidenciam que a lei não vale para todos os setores. Essa avaliação é feita de maneira subjetiva e determina que algumas expressões de arte são mais válidas que outras.

“Sem esse patrocínio é impossível dar emprego para figurinistas, cenógrafos, atores e todos que participam de uma produção teatral. Diminuir esse incentivo é decretar o fim das grandes produções, como os musicais no Brasil”, afirma Lucas Papp, ator, diretor e professor de teatro. Ele disse, ainda, que as leis de incentivo às produções artísticas têm sua importância. Nem todos os espetáculos conseguem se sustentar com sua bilheteria.“Vejo esses cortes como algo estratégico, pois o teatro abre caminho para questionamentos a tudo, inclusive ao governo”, completa Cammilleri. 

Papp concorda com isso e finaliza: “Essas atitudes do governo, no que diz respeito às leis e diretrizes impostas por esse governo são uma afronta e tentam minar qualquer forma de pensar, inclusive o teatro. Eu digo que enquanto existirem duas pessoas no mundo vai existir o teatro, alguém assistindo e alguém no palco. E pronto. Ele resiste, porque é essencial para o homem, é como ele pensa sua própria existência”. 

Sobre a Rouanet

O decreto criado em 1991, nomeado em homenagem ao então secretário da cultura, Sérgio Paulo Rouanet, tem como objetivo principal o fomento à cultura no Brasil. Desde financiamento de peças teatrais até livros, a lei deixa sua marca nas principais realizações culturais do País.

O dinheiro arrecadado advém de dois tipos de doadores: pessoas físicas e empresas privadas, que têm em troca o desconto da quantia doada de seus impostos. Contudo, há restrições à doação, sendo permitida, apenas, a reversão de 4% do total de impostos pagos pelas instituições privadas e 6% pagos pelos cidadãos. 

O Governo é responsável por regular essas transações. Ele realiza um processo de apuração e, então, seleciona, por meio da CNIC (Comissão Nacional de Incentivo à Cultura), quais projetos podem ser financiados. Essa comissão é composta tanto por civis quanto por pessoas do poder público.